Estávamos em 1980 e os clubes náuticos tinham as suas actividades náuticas paralisadas fruto da inexistência de atletas, já que quase todos tinham saído do país após a independência nacional.
Ao nível do então serviço de educação física e desportos da cidade de Maputo (SEFDCM), na altura dirigido pelo meu irmão António Prista, também ele velejador, a vela foi definida como modalidade prioritária. Havia a consciência de que, num país com uma extensa costa como a nossa, deveríamos contribuir para criar o gosto pelo mar através do desporto.
E é assim que sou contratado para desenvolver a modalidade de vela na cidade de Maputo. Na altura procurei o meu professor de vela de infância no Clube Marítimo, e a quem devo parte do meu gosto pelo mar, o João Mendonça, carinhosamente apelidado por nós, seus alunos, de “Velhadas”.
A sua maturidade foi fundamental para o sucesso da ideia e enquadrar o meu voluntarismo. Das discussões surge a ideia de formarmos monitores moçambicanos que dessem a garantia de continuidade.
Delineada a estratégia, faltavam os meios. Quando abordámos o Clube Marítimo, na altura presidido pelo Rocha Antunes, a reação foi de total acolhimento.
E assim, entre janeiro e outubro de 1981, formámos mais de 30 adultos, incluindo 8 professores de educação física, a quem foi dado um foco especial em termos de capacidade formativa pois estes viriam a ser, a partir de 1982, os monitores afectos a tempo inteiro às escolas de vela do Clube Marítimo e do Centro Náutico da Catembe, este último propriedade do estado, enquadrados pelo SEFDCM.
Nessa altura o SEFDCM tinha como estratégia para o desenvolvimento desportivo a ligação clube-escola facilitando as relações entre os clubes e as escolas circundantes com ganhos mútuos claros.
O Clube associou-se assim à escola primária do bairro do triunfo onde se criaram turmas com horários que possibilitassem a prática da vela durante a semana escolar. Esta estratégia teve bons resultados pois, ao fim de um ano, o Clube contava já com 60 velejadores.
No entanto, foi notável a fragilidade do sistema em ser capaz de custear esta actividade desportiva já o estado não possuía verba, os velejadores não tinham qualquer condição financeira para suportar os custos de ter um barco e o Clube não tinha fontes de receita significativas para o efeito.
E é assim que em 1985, enquanto a capacidade financeira do estado se ia deteriorando e outras prioridades foram surgindo, as nossas escolas de vela foram deixando de funcionar acabando por encerrar todas as actividades. Deu-se início a um longo período de hibernação da vela no Clube e na cidade de Maputo.
Mas, por duas razões principais, este período a que chamo de “escolas do socialismo” valeu a pena.
A primeira prende-se com as lições aprendidas e como esta avaliação do que funcionou e não funcionou é crítica para delinear estratégias futuras. Quando em 1999 nos reunimos sob liderança do Luis Sarmento para reactivar o Clube Marítimo, a experiência das “escolas socialistas de vela” tornou-se fundamental para definir a estratégia do clube para reerguer a vela. Voltámos à escola primária do bairro triunfo, alargámos a outros polos de crianças e jovens como os escuteiros, e, para colmatar a principal fragilidade do passado, criámos centros de receitas do clube que permitissem financiar as actividades desportivas. Volvidos mais de 24 anos, ouvir a nossa Deisy Nhanquile, numa entrevista à Radio França Internacional dizer que a sua qualificação para os jogos olímpicos de Paris 2024 se deve à iniciativa do Clube Marítimo, que foi à sua escola primária do bairro do triunfo e a recrutou para a vela e a tornou numa campeã africana, é a melhor forma de percebermos que desta vez a estratégia funcionou.
A segunda razão é que este tipo de iniciativas marca as pessoas, transforma-as, eleva-as a dar o seu melhor. Exemplo disso é que o clube conta hoje com um treinador resultado das “escolas do socialismo” da altura, o Ernesto Sumindila.
Quero acreditar que todas as pessoas que formamos se tornam não apenas bons atletas, mas igualmente melhores pessoas e profissionais.